terça-feira, 26 de maio de 2015
Título: Cartas da Mãe 
Autor: Henfil 
Editora: Codecri
Ano: 1981
Comprar:  Infelizmente só nos sebos.


Resenha:

Este livro é um lugar comum pra Henfil, pois, na realidade ele usa esse título para falar de tudo e sobre todos, usando esse tom íntimo, como aquele que fala com a mamãe. Desta forma, ele fala do período em que este nos Estados Unidos, crítica a ditadura e cobrava posições firmes das celebridades da época.  

"Cartas da mãe" são crônicas no formato de cartas que foram publicadas na revista Isto É de 1977 à 1980. É uma aula de História, nada convencional, pelo contrário, com muita ironia, humor, inteligência e crítica.

Mesmo descobrindo suas obras quase 27 anos depois de sua morte, vale a pena ler Henfil. É muito triste que ele não esteja mais aqui, acredito que ele adoraria a nossa década. Além de rir um monte de polémica na internet. E nos faria rir muito com sua visão de mundo.    

RECOMENDADÍSSIMO!!!



Sinopse:

Querido Orelhão,

Falar o nome de Geisel, só podia baixinho e entre amigos de infância. O "alemão" não perdoava. Tinha mil olhos, mil ouvidos e aquela postura de quem vai aplicar chineladas no primeiro que rir.

Se lembra? Então vou repetir a frase do Ivan Lessa, a mais repetida ultimamente: de 15 em 15 anos o brasileiro esquece os últimos 15 anos.

Boa, o que que você estava fazendo em 9 de março de 1977?

Eu estava morando em Natal (Rio Grande do Norte) e lia todo dia todos os jornais procurando pistas de abertura lenta, gradual e segura que o presidente Ernesto Geisel prometia, se a gente ficasse bem bonzinho. Aí, indicado pelo Hugo Estenssoro, ganhei do Mino Carta a última página da sua revista, Isto É, que ia virar semanal. "Faz o que você quiser, meu caro", disse o Mino.

Que que eu sabia fazer? Desenhar. E desenhei. Mas um amigo, Woden Madruga, encheu minha cabeça que eu tinha que escrever. "Escreve carta para sua mãe. A melhor coisa que você fazia no Pasquim eram aqueles bilhetinhos pra ela no meio das tiras do Fradim, com os retratinhos da família e tudo."

Ora, naquele tempo minha mãe morava no Rio e eu estava de fato com dificuldade pra matar a saudade dela e minha. Dona Maria já sofria com um filho, Betinho, exilado no Canadá, e agora outro tão longe, lá no nordeste. 

Escrevi.

Timidamente. Só nas estrelinhas falando do governo. Sugerindo. Usava a linguagem dela, o jeitinho dela pra dizer as coisas. E a cada carta que publicava, esperava o aviso da censura. E a censura não vinha. É verdade que eu contava com o respeito que o retrato da mãe provocava. É como se eu estivesse escondido debaixo da saia da mãe. Tinham que passar por cima dela pra me pegar. E fui ousado, lenta e gradualmente. Como você poderá ver lendo a primeira carta, depois a segunda... até hoje.

Será pretensão minha dizer que, por estas cartas, publicadas na Isto É nos anos de 1977, 78, 79 e 80 é possível acompanhar a história do Brasil deste períodos? Pois sou assim pretensioso.

As cartas vivem o início da abertura, os apertos, os medos, a campanha pela anistia, os depoimentos no exílio do Betinho, as greves do ABC, os medos, a volta dos exilados, os apertos, 1977, 1978, 1979, 1980...

Voltando lá atrás. Aos poucos eu fui escrevendo o nome Geisel. Até ele acostumar e não achar que era desrespeito. Depois fui tomando liberdade pra sentar no colo dele, mexer nos bolsos dele. Quando ele viu, eu tinha pregado chicletes na cadeira dele. Aí, já era tarde. Aldir Blanc e João Bôscoli já cantavam pela voz da Elis: - Meu Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil...

Conclusão.

Primeiro: quem tem mãe não tem medo.

Segundo: se todo mundo falar que nem eu, como se EU tivesse feito a abertura, vamos acabar descobrindo que ninguém nos deu abertura nenhum - nós que conquistamos.

E tome que a mãe é sua também.

Henfil
São Paulo, 13 de novembro de 1980
(dia da reproclamação das eleições diretas pra governador)



À minha mãe, Maria da Conceição 
Figueiredo Souza que, por ter gostado
muito de mim, me deu confiança pra 
viver, me deu segurança pra me exibir.
Não tive medo de ser ridículo, não 
tenho medo de morrer.
Porque fui amado.



São Paulo, 23 de setembro de 1980

Dona Maria,

Paz e Bem!

É a primeira carta que lhe escrevo, e esta mensagem, gostaria de transmiti-la a todas as mães, que acompanham seus filhos ao longo da vida, sem prendê-los a si.

O Henfil deve ter-lhe dado muito trabalho. Mas a senhora confiou nele, por saber que ele tem uma missão própria. De fato, ele ama o povo e se dedica de corpo e alma aos que querem ser gente livre, numa Terra que nasceu debaixo do sinal da Cruz, portanto, do sinal do Amor responsável.

Não tenho conhecimento do conteúdo das outras mensagens. Ao que parece, todas elas vão ser escritas por seu filho.

Sei que ele é malandro. Usa expressões que nem a senhora, nem eu usamos. Faz caricatura que podem enfurecer e divertir. Por vezes, podem dar pena.

Deve abordar assuntos que só ele sabe apresentar, daquele jeito é com aquelas minúcias de artista privilegiado. 

O que a senhora sabe, também eu sei. Ele interpreta a vida com aquele sorriso que Deus teve ao criar o mundo e, dentro dele, o ser mais engraçado, que é o homem e a mulher, sobretudo quando este homem e esta mulher querem ocupar o lugar dos outros e, por vezes, do próprio Deus.

O Henfil é engraçado. Mas não é bobo. Bobos são aqueles que não entendem, e engraçada parece toda a História dos Homens, vista por ele. Por isso, peço que a senhora dê licença para mais esta peraltice. Se ele apanhar, ficamos do lado dele: a senhora e eu. Já houve Outro, que apanhou. E nós juramos que iríamos morrer por Ele, se necessário.

Parabéns pelo seu filho e por este novo netinho que ele lhe deu, o livro, que hoje começa a encontrar-se com o Brasil.

Com a melhor bênção,

Paulo Evaristo, CARDEAL  ARNS

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